Foi num tempo onde o tempo já não tinha mais hora. Ele
escorria sem curso atrapalhando o relógio, que como tolo continuava a marcar os
minutos. As semanas se passavam e nada parecia acontecer na vida de cada um, os
feriados eram iguais aos dias de semana, todos os marcos temporais muito
semelhantes.
O todo eram impressões do que poderia acontecer, as pessoas
querendo vislumbrar o futuro, mas tudo era enevoado e incerto.
Passamos a viajar do quarto para a cozinha, buscando algo
novo.
Eu olhava pra natureza da janela, achando que tudo estava igual a sempre, nascia o dia, os pássaros cantavam, borboletas voavam entre as flores, tudo igual. Tudo como sempre foi.
Eu olhava pra natureza da janela, achando que tudo estava igual a sempre, nascia o dia, os pássaros cantavam, borboletas voavam entre as flores, tudo igual. Tudo como sempre foi.
No início daqueles dias eu procurava notícias, novidades de
todos os cantos do planeta, via em todo lugar a mesma situação grave. Nesse
tempo eu saia pouco à rua, logo comecei a temer meus vizinhos, medo do
contágio.
Pouco depois passei a me interessar por pessoas, ler as
coisas que escreviam e elas escreviam em profusão. Comecei a achar que elas
enlouqueceram, professavam idéias absurdas demonstrando pensamentos, até mesmo
pérfidos.
Eu lia, lia procurando. Comecei a me achar louco também. Pensava demasiadamente na tentativa de me entender, de entender a humanidade, queria descobrir sei lá o que, talvez atrás do novo.
Eu lia, lia procurando. Comecei a me achar louco também. Pensava demasiadamente na tentativa de me entender, de entender a humanidade, queria descobrir sei lá o que, talvez atrás do novo.
Foi numa das viagens do quarto até a sala que parei em
frente ao espelho e desatinei, penso. O mundo já não era pequeno, as paredes se
espalhavam pelo piso de taco e o dia brilhava contente, pouco adiante estava o
riacho marulhento, o capim verdejava, havia um cheiro bom trazido pelo vento.
Olhei pras minhas mãos e notei-as fortes. Uma alegria começou a crescer em mim,
na verdade achava-me todo muito forte e feliz. Experimentei correr, fui até a
água e molhei meus pés, tudo muito bom bonito.
Nesse momento eu nada mais sabia, nem mesmo me importava com
coisa alguma. Havia o mundo e eu. Resolvi caminhar sem rumo algum, fui. Achei frutas e
fartei-me. deitei sob o sol e lá fiquei, imagino que sem nada pensar, estava
apenas feliz.
Tardava a hora e o sol não descia, continuava pregado no
céu, imóvel. Quis perceber ruídos, achei apenas o zunido de insetos. Quis saber
de mim, de qual lugar era aquele onde o sol é brando e a grama tão macia.
Recostei-me numa pedra e comecei a resolver aquelas
questões.
Primeiro busquei pensar-me como era no meu passado recente.
Todos os dias eu acordava as seis horas da manhã e logo me levantava, fazia o
desjejum e rápido partia para a rua, ia vida como gostava de pensar. Seguia
para o trabalho pensando nos afazeres daquele mesmo dia, estava “ligando as
turbinas”, assim pensava eu dentro do metrô. Passava mais um dia, do mesmo modo
que o anterior. Trocando sorrisos e cumprimentos, almoçando sozinho, trocando
mensagens pelo celular com todos que eu considerava amigos, depois, mais
trabalhava e voltava cansado pra casa, porém completamente despreocupado. Em
casa ligava a tv enquanto fazia meu jantar, via notícias para dar sono e dormia
como anjo.
Ali sentado comecei a imaginar que o que considerava uma
vida muito boa, verdadeiramente havia sido sem nenhuma graça até que tudo
começou...
Não quis pensar nesse começo e quedei-me a pesar em como
fora boa minha infância, houveram muitos dias tranquilos e pessoas que me
guardaram, tive amor de minha mãe e proteção contra os males do mundo de meu
pai. Comi bem de boa comida, tive amigos bem educados e bem nutridos. Viajava à
praia nas férias escolares e não fazia a menor idéia das vicissitudes que uma
vida pode ter. Com isso sorri pela sorte de nascimento que tive; eu fui um
privilegiado. Ali sentado sem rumo de pensamentos, começaram a surgir formulas
matemáticas em minha mente, parei em (pi r²), tão simples, seu centro “um ponto
é um lugar no espaço”, números a preencher os pensamentos. Liberdade e prisão,
não sei, acho que nada sei, mas as maçãs caem do galho e Eva as oferece pra
Adão. Ou não era isso?
Achei que a pedra onde estava era o centro. Resolvi caminhar
ao redor para formar o circulo. Dei muitas voltas ao redor da pedra e o sol a
oeste continuava como que pintado. Era pintado no azul como na página do livro
infantil, onde Dom Quixote chegava à Mancha olhando imóvel o mar imenso; tão
bonito que era. Sonho materializado do irreal, o sol um circulo amarelo e
quente no céu de sempre.
O caminho pela vida, tantos acasos que se empilharam no existir. O que fiz eu?
Ali onde estava tudo era igual, nem frio, nem calor. Não me
assustava olhar pra aquele lugar sem tempo, ou com todo o tempo, também não
estive incomodado com aquilo que não entendia, tão pouco estive intrigado com
aquele lugar incomum.
Quem sabe fosse melhor caminhar. E andando fui pensando em
como foi que apareci ali?
No primeiro dia, depois do começo, tudo parecia normal.
Perdi meu emprego, tão bom que era, e estava em casa e só. Pouco me preocupei
com aquilo. Pensando no que fazer, resolvi abastecer-me de alimentos e remédios
pra mais de três mês e foi isso que fiz no dia seguinte. Agora preocupado,
colocava minha atenção nas notícias desencontradas, que pululavam naqueles
primeiros dias. Achei que devia cuidar de mim, refiz muitas vezes a lista de mantimentos
e por uns quatro dias consecutivos saia por comprar mais provisões. Comecei a
me achar aturdido com as opiniões dispares que iam surgindo profusamente em meu
computador, comia notícias. Nesse tempo pensava em mim e na maneira de sair
daquilo tudo, conversava frequentemente com amigos.
Algumas semanas depois passei a achar que todos estavam
certos e também que todos erravam em suas opiniões. Nada do que ficava sabendo
tirava-me daquele lugar sem saída, onde eu era completamente impotente. Foi aí
que comecei a pensar seriamente nos menos favorecidos de todo o mundo. Pensava
que nem todo governo trabalhava para seus governados e sim que as pessoas
existiam para serem governadas. O povo existe para dar razão a produção de
todas as coisas. Os pensamentos ficaram assim invertidos, como se eu tivesse
nariz para segurar os óculos, mas logo abandonei essas idéias todas, achei-me idiota em
pensar daquele modo esquisito. Nesse período mudei meus horários de sono, que
ficaram aleatórios, dormia e comia sem nenhuma regra. Foi aí que o tempo
começou a se perder, ficou esquecido de marchar. Comecei errando o dia da
semana em que estava, depois despercebido das horas, não sabia se era dia ou
noite, mesmo olhando pela janela.
Talvez por não fazer nada útil, o tempo
escorresse e desaparecesse sem ser percebido. Já não importava se dia ou noite,
meu corpo vagava pelo apartamento, assim como se não estivesse acordado, vagava
simplesmente.
Atônito continuava vivo, deixei de me assear, às vezes
tomava um banho que se demorava por mais de hora e lá ficava sonhando,
relembrando dias felizes da infância, ou erros que cometi nesse período, depois
me deitava e dormia profundamente.
Mais um dia e outro sem mais nada entender, achava-me louco. Lembrava de como eram as pessoas sãs e corretas. Como seria bom ser correto agora... Estava livre, ou não, nem sei agora dizer como estava. Sei que pensava sem parar todo tipo de problema, ou proposta. Só pensava e cada momento, menos sabia de meu corpo, flanava pelos aposentos.
Mais um dia e outro sem mais nada entender, achava-me louco. Lembrava de como eram as pessoas sãs e corretas. Como seria bom ser correto agora... Estava livre, ou não, nem sei agora dizer como estava. Sei que pensava sem parar todo tipo de problema, ou proposta. Só pensava e cada momento, menos sabia de meu corpo, flanava pelos aposentos.
Parei, olhei para trás e lá continuava o sol a se por, imóvel no céu amarelo.
Sentei-me, não havia ninguém mais, somente eu por
todo lado que eu olhasse.
Num repente lembrei de tudo. Eu olhara pela janela do apartamento na
tentativa de saber se era dia ou noite, olhei por ela perscrutando a cidade o
céu. Vi que nada entendia e quis ir ao banheiro, lembro que pensei em como
fazer o caminho até lá. Atravessei a sala e fui pelo corredor, na frente do
espelho parei e vi-me, fiquei ali olhando-me detidamente, depois a imagem sumiu
e o espelho parecia uma pintura, quis com o dedo tocar a tela e o fiz. A visão
se turvou, quando voltei a enxergar via o corredor do apartamento e sujeira
pelo chão. Deixei o espelho, virei e segui até o regato onde a vida faz todo
sentido.
tuluca
Mury, 22 de junho de 2020.
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